Os Paradoxos da Bíblia e suas conclusões
Se um escritor entrasse na sala de um editor e dissesse que seu livro seria o maior best seller de todos os tempos, que seria lido pela maior parte da população do planeta e que consequentemente seria traduzido para mais de 1400 línguas e dialetos, que inspiraria dezenas de guerras, que seria o responsável pela criação de diversas religiões e suas subdivisões; certamente seria convidado a se retirar, sem que qualquer consideração fosse dada a sua obra.
Assim é a bíblia, ultrapassou gerações, chegando a tempos muito diferentes da época de sua elaboração que foi na idade do bronze e do ferro, mas mesmo assim provoca muitas surpresas sendo uma obra com diversas dimensões e na maioria das vezes ficando totalmente inacessível à compressão das pessoas. Quando lemos a bíblia em sua superfície, deparamos com histórias de pessoas e fatos que são na realidade insípidas, com pouca eloquência e sublimidade. Ler a bíblia sem a sua parte oral, a parte "Viva", que foi criada na mesma época que ela, é como diz o sábio (Vilna Gaon que viveu de 1720 a 1797) "Torah Seca" ou seja a Torah, sem o seu conteudo Oral e evidentemente, sem a sua alma.
Se pararmos para analisar o seu conteúdo e se partirmos de algumas premissas, facilmente podemos chegar a algumas conclusões que poderão definitivamente nortear a nossa introdução a um mundo profundo, que não deixa nenhuma dúvida de suas reais intenções.
Se formos céticos, e partirmos do princípio de que a bíblia é simplesmente um livro religioso que não tem nenhum conteúdo, podemos abandoná-lo, pois daí para frente, não nos acrescentará nada, podemos só analisá-lo como algo de alguma precisão histórica ou simplesmente chegar a conclusão de que nos narra historias de um povo que viveu em determinada época e foi testemunha de alguns acontecimentos. Conclusão esta, completamente errônea, pois a bíblia, não contém estes relatos para contar fatos históricos, pois os principais sentidos da palavra Torah é "Lei" e "instrução".
Se por outro lado, o considerarmos algo importante e sagrado, teremos de nos perguntar sobre os seus paradoxos, pois exatamente esses é que nos garantirão um caminho seguro para conclusões precisas de seus reais objetivos.
Vamos nos deter em uma analise rápida de alguns acontecimentos, para ilustrar tais conclusões;
Depois da saída do Egito, Moisés conduzindo os Israelitas, chegou ao pé do Monte Sinai e ao subir lá, teve a recepção da Torah, tendo como um dos mandamentos ; Não Matarás. Não tendo nenhuma explicação adicional das circunstâncias ao qual ele não poderia fazer isso. A sentença era peremptória e sem margens à dúvidas. Dizia apenas que não se deveria matar. Considere-se principalmente quem emitiu a sentença, pelo menos no contexto bíblico.
Depois de 40 anos de perambulação pelo Deserto, coisa que aconteceu devido ao teisha BeAv, (Nono dia do Mês de Av no qual os Israelitas choraram de noite, por não poderem vencer os reis cananitas e terem duvidado da promessa de Deus de que receberiam a Terra prometida.). Devido a isso, Deus os castigou, fazendo-os perambular pelo deserto durante todo este tempo. Chegaram a Canaã e Deus (O mesmo que os proibiu de matar), ordena que matem todos os habitantes de lá, inclusive mulheres e crianças, pois eram idólatras e deveriam ser eliminados.
Será que que o Deus bíblico teria duas caras ? Será que a sua obra seria regional, não se importando com os outros povos ? Uma hora ele proíbe de matar em um mandamento e outra ele ordena a matança indiscriminada de toda uma população, sem considerar idade ou mesmo sexo. Só porque tinha uma religião diferente ? Quantos idólatras existiram, existem e existirão no mundo, sem que Deus se importe com isso e os mande matar ?. Será que só esses idólatras são especiais para serem mortos ? Ou será que esta estória traz dentro de si um significado mais profundo, que na superfície não podemos tocá-la ?. Tratando-se pura e simplesmente de uma parábola com um significado bem mais profundo ?
De modo geral isto é apontado por outros grupos religiosos como o problema do antigo testamento, de seu Deus vingativo e uma eventual reforma feita por Jesus, dando uma nova mensagem. Mas isso é simplesmente ilusório e revela falta de conhecimento sobre os seus reais fundamentos. Na realidade o que aconteceu é que devido a queda do primeiro templo, os sacerdotes Fariseus e Saduceus haviam se corrompido, ficando inclusive extremamente ricos, diferentemente dos seus predecessores, que não possuíam absolutamente nada, vivendo de uma forma bastante simples. Os sacerdotes na época de Jesus, como já foi dito, na sua maioria, eram extremamente ricos e ignorantes das dimensões internas da Torah, vivendo de uma forma puramente material e dando ênfase aos costumes e observância de regras físicas. Isso é claro no texto do novo testamento, quando Jesus os critica. Este choque é evidente no texto. A mensagem de Jesus é principalmente um breve olhar sobre as dimensões internas da bíblia, demonstrado principalmente por citações do Rei David como "mundo dos vivos" e outra coisas mais, evidenciando que Jesus era um grande conhecedor destas dimensões.
Por outo lado, as escavações arqueológicas na região, têm concluído que na realidade, os Israelitas chegaram à Canaã parcialmente aos poucos e que em sua maioria, sequer chegaram lá, sendo uma população oriunda daquele lugar. Por outro lado, jamais fora encontrado nenhum resquício do perambular dos Israelitas pelo deserto. Então, do que estamos tratando aqui ? De história ou parábolas que tinham um conteúdo mais profundo ? Muitos Rabinos de várias épocas revelaram que sim. Como já foi mencionado acima, Vilna Gaon, se referia a Torah sem o seu conteúdo oral de “Toráh seca”.
A exegese rabínica prevê a utilização do PARDES, metodologia de revelação do conteúdo da Torah, disposto em camadas como em uma cebola que conteriam dimensões, que só poderiam ser atingidas, com um estudo profundo de seus elementos e principalmente, um conhecimento muito grande da língua hebraica. Vejam que a palavra Pardes, significa "Pomar" e que em um certo senso representa "Paraiso", sendo de onde saiu a palavra Paradise do inglês. Na realidade a representação pictórica das paredes do templo do santuário dos santuários do templo sagrado o (Beit ha Mikdash) o templo de Jerusalém no alto do monte Moryiah, são Rômãs, representando um pomar. O "Pardes Rimonim", o Pomar de Româs. É citado em um verbo eloquente de David e que represnta simplesmente a "Torah".
O PARDES represntado na interioridade da Torah é uma sigla das primeiras letras de Pshat (Pleno), uma alusão ao significado pleno do texto , sendo a história que está na superfície. O REMEZ é o (Insinuado ou Dica). É uma sugestão do que está encerrado no interior da segunda camada do texto. DROSS, o estudo comparado ou MIDRASH, sendo Mi em hebraico (Quem) e darash (Pergunta) e Midarash (Quem pergunta ?). Ao alinharmos histórias correlatas da Torah, poderemos sacar o real significado daquele conjunto em particular, revelando uma dimensão mais interior. Diz-se que nenhuma dimensão mais profunda invalida a anterior, somente chega mais perto do seu significado mais absoluto, abstrato, interior e elevado. Por último, temos o Sod que literalmente quer dizer segredo e não pode ser alcançado por nossa mente objetiva, somente em um estado interior muito elevado.
Como exemplo destes paralelos, e dentre muitas, podemos citar a História de Abraão que saiu de UR, indo para o Egito e depois para Canaã, ao sair do Egito, levou consigo muito ouro, inclusive a escrava Hagar, com a qual teve seu fiho Ismael. Chegando a Canaã, batalhou contra os cananitas foi a Salem onde encontrou Melkisedek (sacerdote de lá). Veja que Salém em hebraico quer dizer plenitude.
Na história de Moisés, este saiu com os Israelitas do Egito também com ouro e se encaminhou para as cercanias de Canaã, passando pelo Mar Vermelho e deserto. Jà em Canaã, Josué a mando de Moisés, liderou os Israelitas em batalhas contra os seis reis cananitas. A comparação destas estórias e outras, dará lugar a uma compreensão mais profunda do texto e de seu real significado e objetivo. principalmente pelo nome em hebraico de Moisés, a palavra Mizraim (Egitos - Alto e Baixo), Pão levedado, Sangue de cordeiro, A passagem pelo Mar, nome de Josué que foi modificado por moisés, os nomes dos reis cananitas, o fato de serem idólatras, fecham o cerco. No momento oportuno falarei disso. Definitivamente o que eles estariam matando não seriam pessoas ! E com isso Deus não estaria ordenando a violação de seu mandamento ! Na realidade é um assunto muito profundo !
Esta exegese remonta a tempos bíblicos, sendo que o seu surgimento é atribuído a queda do primeiro templo e volta da diáspora da Babilônia, logo após a bíblia escrita começar a ser organizada (O trabalho de compilação se deu na Babilônia). A Torah oral e Escrita foram criadas simultâneamente e são complementares, sendo na realidade uma só.
Porquê se frisar Torah escrita ?, Porque na realidade existem duas Torah, a oral que é chamada de “viva” e a escrita, sendo que a oral, somente era passada pela boca do mestre ao ouvido do discípulo. A Torah Oral é muitas vezes mencionada na bíblia e na própria Torah.
Note-se que a palavra oral, diferentemente do senso comum, é uma palavra internacional, pertencente a várias línguas e originária do hebraico, sendo a conjunção de Or (Luz) e Al (De Deus ou do alto) significando Luz do alto ou luz de Deus. É na realidade o que dá sentido à Bíblia escrita, a sua parte "Santa", a que libera as dimensões interiores e que a transforma em algo sublime e de inigualável beleza e que quanto mais nos aprofundarmos mais embriagados ficaremos pela sua sublimidade, sendo isso o que verdadeiramente importa. Por isso esta ascenção ser representada pelo vinho, mas do conhecimento da Torah, o vinho da sua beleza e luz ! A alegria da Torah !
Os famosos talmudistas (Talmud quer dizer estudo) do segundo século, Rabi Akiva e Shimon Bar Yochai dentre inúmeros outros, foram grandes conhecedores desta exegese, com obras, como as duas versões Midrashicas, Mekhilta de Rabbi Ysmael e Mekhilta de Rabbi Shimon Bar Yochai, sendo comentários do livro do Êxodo. Ambas as obras foram escritas em aramaico. É também atribuída a Rabbi Shimon a autoria do Sepher Ha Zohar (O livro do Esplendor ou radiancia), escrito em aramaico e em Midrash.
O Talmud em si é uma discussão e estudo sobre as leis e em última análise, uma discussão sobre a Torah Oral, mas em uma linguagem adequada e longe de poder ser entendida pelas pessoas comuns.
Existem várias linguagens nos livros sagrados que muitas vezes se entrelaçam dentro de uma obra. Existe a língua dos Ramos e das raízes, das Leis, Das Fábulas ou parábolas e o Midrash. Mais tarde discutiremos sobre isso. A linguagem das raízes é multidimensional, sendo dependente também das raízes das palavras que guardam relações entre si. Não se confundam que as raízes só digam respeito às raízes das palavras, mas na realidade dizem respeito também à elementos abstratos internos de nossa mente superior.
Não se pode desassociar a Torah (Primeiros 5 livros da bíblia, chamados de Pentateuco, sendo conhecido como os livros de Moisés) e o alfabeto e idioma hebraico, pois por um lado por si só o idioma apresenta uma desconcertante estrutura linguística com letras, portões e raízes das palavras ,Substantivos e Verbos, praticamente uma linguagem de computador, que guarda uma inter-relação entre palavras, conceitos de toda a filosofia encontrada no interior da Torah e de outros livros da bíblia hebraica. Através de seus substantivos, nomes de pessoas e ações que nos faz chegar a conclusões claras dos conteúdos do texto da bíblia. O que dá para ver é que sem sombra de dúvida o Idioma Hebreu foi feito para a Torah e a Torah foi feita para o idioma Hebreu. Um faz parte do outro. Esta aproximação pode ter sido elaborada através dos séculos de inter-relação e de uma certa forma o resultado da natureza contemplativa do povo Hebreu. Aparentemente foi o povo certo para trazer as escrituras até os nossos dias, sem alterar um só espaço ou letra do antigo texto.
Desde a antiguidade, como já mencionado, muitos rabinos escreveram obras a respeito das dimensões internas da Torah, os mais renomados são Rabbi Akiva, Rabbi Shimon Bar Yochay (Autor de Mekilta, obra de discussões sobre o livro de Gênesis) é também atribuida a ele a autoria do Sepher HaZohar, estes dois sãbios (Tanaim) viveram no início do século 2
O Rabbi e médico Maimonides que viveu no século XIII e foi inclusive médico do grande general Saladino, escreveu aproximadamente uma dezena de obras a respeito das leis: livro do conhecimento, livro do Amor, livro dos tempos, livro das mulheres, Livro da santidade, livro da expressão, livro das sementes, livro do trabalho, livro das oferendas, livro da pureza, livro dos danos, livro das aquisições, livro dos juizes e livro dos juizes II. Todas obras muito profundas e pelas suas alegorias, difícceis de serem entendidas por olhares desatentos e superficiais.
No século XVI o RAMAK - Rabbi Moshé Cordovero, grande sábio que escreveu Or Yakakr (Luz preciosa) obra imensã com muito mais que duas dezenas de volumes e PARDES RIMONIM (Pomar de Romãs) também extensa, obra sobre o mesmo assunto. Rabbi Moshe Cordovero recebeu a ordenação de SEMICHAR (Autoridade Judaica) que somente foi conferida a 4 personagens da história. Também no século 16, temos o mais famoso de todos, Rabbi Ari haKadosh (O Santo), grande conhecedor da interioridade da Torah e que escreveu "Shaar ha gilgulim haneshamot" (Portal dos ciclos das almas), perspectiva israelita e da Torah das múltiplas vidas de um ser e continuidade da alma, Etz haChaim (A arvore da vida), Shaar hakavanot (Portal das intenções), sendo todas obras da interioridade da Torah. Muitos outros, sendo centenas de grandes Rabbis que escreveram a respeito das dimensões internas da Torah e uma coisa é certa, nenhuma delas contradice qualquer uma outra, mas as complementam, mostrando a unidade do conhecimento interno da Torah.
Quando Rabbi Akiva foi morto por esfolamento pelos romanos, dezenas de milhares de seus discipulos também foram executados e seus contemporâneos ficaram com medo de que a Torah Oral desaparecesse e continuaram a obra que ele havia começado a compilar, a MISHNAH que quer dizer repetição, sendo que esta obra levou vários séculos para ser terminada e são discussões acerca da TORAH e de suas dimensões internas, escrita na forma de linguagem judicial. Outra obra paralela, a GUEMARAH que são discussões e comentários acerca da Mishnah, com inclusive crônicas paralelas. As duas obras em conjunto (Mishnah e Guemarah) formam o TALMUDE.
Veja-se que as dimensões internas da Torah existem bem antes do advento da Igreja católica e de suas religiões satélites derivadas do protestantismo Luterano. Veja que o que estamos tratando aquí não é de uma interpretação pessoal ou de uma escola contemporânea a respeito deste assunto , mas de um conhecimento de gerações, que está viva ha milhares de anos e que só hoje, começa a ser estudada por todos, pois é o momento certo para isso, conforme mencionado em textos sagrados e prognosticado por alguns dos grandes Rabbis do passado.
Este conhecimento não fêz parte do cânon da Igreja Católica e das suas religiões decorrentes, simplesmente por ter começado durante o início da diáspora e devido aos sábios israelitas estarem calados diante da proibição do império romano de se manifestarem e desta forma a interioridade da bíblia hebraica foi esquecida e principalmente porquê a nova religião, era já uma consequencia dos interêsses do imperador romano e este desconhecia completamente as origens da torah e das obras sagradas paralelas, centrando- se em textos que pôde visualizar e principalmente dando uma certa conotação nacional e política à nova religião de Roma.
Quando comecei a estudar hebraico, uma professora me disse, que nas outras línguas poderíamos obter conhecimento, transmiti-lo e criar, mas no idioma hebreu, poderíamos ouvir o sussurro do criador. Na ocasião achei um exagero e de certa forma ingênuo, mas hoje entendo muito bem o que ela queria dizer e concordo plenamente.
A Bíblia é praticamente uma obra de gênio, toda a sua estrutura e simplesmente sobre-humana. Talvez uma obra de gerações de gênios que não conhecemos. Talvez o tempo os tenha apagado da história. Mas uma coisa é certa, na hipótese mais simples, é uma obra maravilhosa e digna de reverência !